Part 3
A.P.- Mas o que lhe disse em concreto o seu filho?
L.S. – Os homens pegaram na Joana, deitaram-na num carro e foram com muita força. Era o que ele dizia já quando estava na Catraia, em Portimão. Por isso é que se diz que calhando foi alguma conversa que ouviu.
Tio de Joana ou estava embriagado ou foi instruído para confessar a morte e esquartejamento da sobrinha no vídeo exibido em tribunal
A.P. – Você viu o vídeo exibido durante o julgamento da sua mulher e do seu cunhado no Tribunal de Portimão, em que João Cipriano assumia ter morto a Joana e esquartejado o corpo, escondendo-o numa arca frigorífica. O que acha desta confissão?
L.S. – Acho é que ele estava era com os copos…
A.P. – Ao que se sabe, acompanhou-o no dia em que ele fez essa reconstituição na casa onde morava a Joana…
L.S. – Acompanhei. A Judiciária foi-me buscar à sucata porque eu é que tinha a chave de casa. Fomos para a Penina à espera de mais pessoal da polícia. Depois, fui para o bar de um posto de abastecimento de combustível com dois agentes da PJ beber uma cerveja. Entretanto, chegou o carro com o João e outros da Judiciária. Mandaram-me entrar para esse carro, mas proibiram-nos de conversar. O João estava lá com uma cerveja na mão e ainda estava agarrado a outra. Embora não o conheça bem, acho que ele estava alcoolizado quando andou dentro de casa a fazer aquilo que se viu no tribunal. E eu nem sequer entrei. Só abri a porta. Depois, eles é que andaram enrolados lá dentro. Eu estive sempre cá fora. No vídeo que passou no tribunal, vê-se que o João não estava normal na altura. Ou estava instruído para fazer aquilo ou encontrava-se embriagado. Alguma coisa ele tinha.
A.P. – Mas o que lhe pareceu ele ter assumido que cortou o corpo da Joana em várias partes?
L.S. – As facas que tinha em casa eram todas de cozinha, mas pequenas. E quase nem com um palmo de lâmina. Nunca tive facas grandes. O que é que o João teria lá em casa para fazer aquilo que disse à Judiciária? Só se fosse pedir emprestado a algum vizinho um machado ou um serrote. Por outro lado, a arca frigorífica onde ele diz que meteu o corpo é pequena. Só tentar meter dois frangos dentro do congelador, verá que não cabem. Depois, tem três gavetas. Para um corpo entrar no interior, tinham de tirar as gavetas, tudo para fora. A Leonor nem se ajeita a cortar um frango quanto mais cortar o corpo da Joana.
A.P. – E o João teria coragem e capacidade para tal?
L.S. – Ter, tem. Como diz a mãe dele, por droga ele é capaz de fazer tudo. Mas também nada me garante que o tenha feito. O João gostava muito da sobrinha.
A.P. – Seria mais capaz de a matar ou vender?
L.S. – Por droga, seria mais capaz de a vender. Às vezes podia haver dívidas ou coisa assim. O que a Leonor me disse, ao fim de um dia ou dois, é que mandou a Joana às compras e o João seguiu logo atrás dela. E que se alguém sabe o que aconteceu à miúda, será ele.
A.P. – Alguma vez pediu explicações ao seu cunhado?
L.S. – Não.
A.P. – Porquê?
L.S. – Porque ele disse que quando saiu foi à minha procura. Mas na altura, a Leonor ficou desconfiada com o irmão.
Fuga da jovem austríaca faz renascer esperança de que Joana está viva
A.P. – Falou em droga. Qual o tipo de droga que João Cipriano consumia?
L.S. – Tudo. Mas para a veia penso que não. Agora, haxixe e pó…
A.P. – E a Leonor também consumia estupefacientes?
L.S. – Nem sequer bebia quanto mais se drogar. Só às vezes bebia um licorzinho.
A.P. – O que pensou quando viu as notícias sobre a jovem austríaca Natascha Kampusch que fugiu do raptor após ter ficado sequestrada na cave de uma casa durante mais de oito anos?
L.S. – Pensei logo que devia acontecer o mesmo à Joana. Não digo já, já, já. Mas nem que fosse daqui a cinco ou seis anos. Se ela estiver na mesma situação em que esteve aquela rapariga austríaca, terá expediente para se libertar. A Joana é muito esperta. Mesmo para a idade (oito anos) que ela tinha quando desapareceu, já era esperta demais. Enquanto há vida há esperança. E não há nada que se faça nesta vida que não se venha a saber. Depois, a gente veria…
A.P. – O que faria nessa altura?
L.S. – Não sei… Isso é que é mais difícil de dizer. Mas alguém há-de pagar por aquilo que passei. Oxalá que ela apareça um dia. A gente depois conversa…
A.P. – O que pensa da acção desenvolvida primeiro pela GNR e depois pela PJ para tentar descobrir a Joana?
L.S. – Acho que os homens da Judiciária de Portimão não eram agressivos. Sabiam conversar connosco e tentavam, pelo menos, descobrir alguma coisa. Enquanto isso, os de Faro logo no primeiro dia que nos vieram buscar, foi logo para nos bater quando lá chegámos. Primeiro era porrada, depois é que faziam as perguntas. Acho que se a PJ de Portimão tivesse continuado com a investigação, se calhar tinham sacado alguma coisa de algum lado.
A.P. – E a GNR?
L.S. - Tinha um prazo para fazer o serviço, como nos disseram. Não sei quem falhou. Antes, disseram que só passadas 24 horas após o desaparecimento da Joana é que podiam começar a procurá-la como estipula a lei. Acho isso chato porque se trata de uma criança. Se fosse um adulto com 18, 20 anos, seria diferente. Podia ter ido ter com a namorada ou com o namorado. Agora, com uma criança de oito anos ainda ter de esperar 24 horas para ser dada oficialmente como desaparecida e ir à procura, é que é estranho.
Deviam ter fechado a casa para ninguém lá entrar
A.P . - Também estranhou o facto de a polícia não ter ido logo à casa onde vivia a Joana e selado o espaço?
L.S. – Olhe, essa é outra! Quando lá foram, em vez de não me deixarem ali dormir, tinham selado a casa. Deviam ter fechado a casa para ninguém lá entrar. Eu teria tirado apenas alguma roupa e pronto. A casa tinha de ser selada. Já ouvi muita gente a dizer o mesmo. Depois, dizem que as provas foram destruídas.
A.P. – Como tem sido a sua vida nestes dois últimos anos?
L.S. – Agora está melhor. A vida também não pode parar. Mas no princípio, quando a Joana desapareceu, foi difícil e não só para mim.
A.P. – Qual foi o momento mais difícil?
L.S. – Devem ter sido os castigos que levei na Judiciária, onde me chamaram tudo e mais alguma coisa. E fui agredido sempre que lá me levaram. Mas com as porradas aguento bem. Cá fora, o pior foi a gente passar na rua e ouvir as pessoas a insultar-nos. Cada um diz aquilo que quer e a gente não pode responder. Até evitei ir a certos cafés. Mas hoje, já entro em todos. Já não ouço nada. Agora, toda a gente me cumprimenta e fala bem tanto na Figueira, como na Mexilhoeira-Grande, onde vivo. Mas mesmo quando vou a Portimão ou outros sítios, não sinto qualquer problema.
A.P. – Anda de cabeça erguida?
L.S. – Sempre andei.
A.P. – E como estão os seus dois filhos?
L.S. - Bem. Já estão na Catraia, em Portimão, vai fazer dois anos. Mas em breve vão sair. Em princípio, o Ruben ficará com a minha mãe, que mora na Mexilhoeira-Grande. E a Lara vai ficar com a minha irmã, que reside na zona da Companheira, em Portimão.
A.P. – Como é a sua relação com eles?
L.S. – É boa. Vou buscá-los à Catraia todos os domingos. O meu Ruben já me pediu para voltar para casa definitivamente. Gosta de estar onde está, mas a família é diferente, como é natural.
A.P. – Têm ido ver a mãe à cadeia de Odemira?
L.S. – A minha mãe está a tratar disso para ver se lá vão.
A.P. – E há quanto tempo você não visita a Leonor?
L.S. – Nem sei. Se calhar, há um ano.
A.P. – Porquê?
L.S. – Porque entretanto me roubaram os documentos. E sem estes não posso lá entrar. Tenho de arranjar novos papéis. É só esse o motivo e ela sabe.
A.P. – O que escreve a Leonor nas cartas que envia à família?
L.S. – Pede dinheiro e mais alguma coisa que lhe falta. E pergunta quando é que vamos vê-la. Diz que sente muitas saudades dos filhos, que Deus é grande e ela está inocente. E eu continuo a acreditar na inocência dela. Há alturas em fico assim em dúvidas, mas estou convencido de que a Leonor está inocente.
A.P. – Em que alturas ainda duvida dela?
L.S. – Sei lá, às vezes quando estou para aí e paro para pensar se ela está inocente ou não. E isto porquê? Porque ela uma vez quis envolver-se neste caso, dizendo à Judiciária que eu a ajudei a esconder o corpo da Joana e que o Carlos Pinto o tinha levado para a sucata onde trabalhava. E às vezes fico a pensar: mas porque é que ela nos fez isso? Por outro lado, também penso que calhando foram coisas metidas por eles na cabeça dela.
A.P. – Você chegou a estar arguido no processo…
L.S. – É verdade. Fiquei um bocado embaralhado, sabendo que nada tenho a ver com o assunto. Mas o caso foi arquivado. Só tive de ir a tribunal como testemunha no julgamento, em que também só falei porque entendi falar. Não era obrigado a fazê-lo por ser familiar dos detidos (Leonor Cipriano e o seu irmão João Manuel). Mas fiquei um bocado atrapalhado.
Esperava a absolvição de Leonor
A.P. – Como viu o julgamento?
L.S. – Estava tão nervoso, que nem sei como vi aquilo. Sabia lá o que iam pensar de mim.
A.P.- Esperava a condenação ou a absolvição de Leonor?
L.S. - Estava à espera que saísse em liberdade.
A.P. – Quando ouviu a sentença a condená-la a mais de 20 anos de prisão, como se sentiu?
L.S. – Parece que o tempo parou. Sei lá… Fiquei à toa. Agora, sinto-me melhor porque, com os recursos apresentados pelo advogado, a pena já baixou. Pode ser que ele consiga ainda mais qualquer coisa.
A.P. – O que lhe disse a Leonor depois de ser condenada?
L.S. – Só dizia para confiar nela porque não matou a filha.
A.P. – Com tudo isto, o que aprendeu na vida?
L.S. – Há dias em que não se pode sair de casa. Se no dia em que Joana acabou por desaparecer, eu não tivesse saído de casa, nada teria acontecido. Mas hoje, sinto-me uma pessoa mais calma. Só saio de casa para trabalhar e ir ao café. Ou, então, para ir a Portimão à Catraia ver os meus filhos. Nada mais.
A.P. – Eles perguntam pela mãe?
L.S. – O Ruben é que pergunta muito, mas ainda não lhe contei. Quando eles vierem para junto de mim, dir-lhes-ei a verdade sobre onde está a mãe. Mas o Ruben já me puxou uma vez a conversa a dizer que a mãe está presa. Respondi-lhe que não, que a mãe apenas foi dar um passeio e não sei quando volta. Quando a Leonor foi presa, disse aos meus filhos que a mãe estava de castigo porque se portou mal.
A.P. – E perguntam pela Joana?
L.S – A Lara, não. Era muito pequenina, quando a irmã desapareceu. Quanto ao Ruben, perguntava de princípio. Agora, não.
A.P. – Como era a relação entre a Joana e os irmãos?
L.S. – Era boa. A Joana é que tomava conta deles enquanto a mãe estava fazendo outras coisas.
Se a Joana fosse maltratada então o meu Ruben e a minha Lara também o eram
A.P. – A PJ diz que encontrou cuecas da Joana com vestígios de esperma, concluindo por isso que ela era abusada sexualmente, além de ser vítima de maus-tratos como de resto consta de um outro processo. Como é que isso é possível?
L.S. – Já disseram que os vestígios de esperma eram meus. Depois, diziam que era do Carlos Pinto, que vivia na mesma casa. Chegaram a dizer que era do meu irmão Beto. Mais tarde, disseram-me para estar à vontade, que nada tinha a ver comigo. Fiquei sem saber o que se tinha passado.
A.P. – Mas como podia haver vestígios de esperma na roupa da menina?
L.S. – Também me faz confusão. Não sei. Acho que isso está muito mal contado por parte da Judiciária.
A.P. – Admite que tivesse havido falta de cuidado por parte da Leonor ao limpar a casa e ao tratar da roupa dos filhos?
L.S. – A casa estava sempre limpa. A roupinha estava sempre no cesto para lavar. Quando um dia apareceram lá em casa técnicas da Comissão de Protecção de Menores devido a uma queixa que dizia que a miúda era maltratada, mesmo essas senhoras arquivaram o processo porque viram tudo bem. Eram 11.00 horas e a minha mulher estava a fazer o almoço para os miúdos. E nem sonhava que iam lá a casa. Só não gostaram muito que os miúdos estivessem a comer bolachas. E pediram para que não o fizessem muitas vezes, alegando que as bolachas fazem mal. Gostava de saber quem foi a pessoa da Figueira, que foi contar à Comissão de Protecção de Menores que a Joana era maltratada. É mais uma que penso que foi dessa senhora que acabou por ir para Inglaterra por altura do julgamento da Leonor e do João. Desconfio dela em tudo. A minha mulher nunca foi má mãe para os miúdos. Houve muita especulação no meio de tudo isto. Se a Joana fosse maltratada, então o meu Ruben e a minha Lara também o eram. Com seis meses, o meu Ruben tinha umas pernas que eram mais grossas do que os meus braços.
A.P- Ainda pensa voltar a viver com a Leonor se um dia se provar que, afinal, ela está inocente?
L.S. – Agora, já não sei. Mas acredito que ela está inocente.
A.P- Com 40 anos, de que forma você está a tentar refazer a sua vida?
L.S. – Tenho há oito meses uma nova companheira. Vamos a ver até quando.
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